Depois daquela conversa, levou três dias para eu comprar a passagem e em três meses eu já estava aqui. Cheguei no Brasil, país desconhecido, precisei desaprender e aprender tudo de novo: não só a lavar minha própria roupa, cozinhar todos os dias, andar de ônibus em uma cidade nova, mas também por não poder me comunicar e perguntar, tive que aprender a falar português do zero.

As pessoas me receberam um tanto desconfiadas e eu tinha que provar quem eu era e o porquê escolhi trabalhar em outro país.

Tinha pouco dinheiro apenas para passar uns meses, precisava trabalhar, precisava ler e estudar em português para o Revalida, lutar com dias gelados, já que estava acostumada com uma cidade quente. O inverno chegando e eu com pouca roupa de frio, mas eu tinha um casaco emprestado da minha amiga e cuidadora dos estudos, Brenda, sim a gente se motivava (obrigava) a estudar juntas. 

Levou 4 meses para eu conseguir um trabalho novo, sem falar direito o idioma. Dias corridos, novos aprendizados, nova organização. Logo veio um pedido pra eu sair da casa onde eu estava. 

De repente eu estava sem dinheiro, sem lugar para morar, sem trabalho, sem meus colegas, sem muito apoio, ainda sem falar português,  mas a vida apresenta anjos e nesse momento, família Werka apareceu para mim. Eles me ajudaram a começar com um lugar pequeno, em um pensionato, para eu morar. Precisei recomeçar e procurar qualquer coisa para pagar minhas contas e tirar minha ideia de comprar uma passagem e voltar para a Venezuela.

Muitos currículos enviados, muitas lágrimas derramadas , dia comendo pouco e vivendo intensamente, aprendendo o português com os vizinhos do mercadinho do lado, estudantes de faculdades no pensionato que do nada me receberam com o maior carinho e muitas vezes me ajudavam a corrigir minhas palavras em português. 

Dias passaram fazendo provas de português, chorando depois de cada uma dessas provas. Dividindo o tempo com o trabalho no shopping, o trabalho com  um Doutor, onde era uma secretária de domingo a domingo, ainda fazia freelance em um restaurante como recepcionista. 

Fui muitas vezes questionada do porque estava aqui, corrigida sobre como falar e agir. Nos meus trabalhos, meus colegas me tratavam como “a menina que não entendia”, riram umas vezes comigo e muitas outras de mim. 

Mas continuei caminhando, continuei saindo do shopping às 11 da noite para pegar o ônibus e acordar às 5:30 para trabalhar no hospital. Quando eu mais me encontrava sozinha, mais descobria minha força, meu verdadeiro motivo, meu foco e minha fé em Deus. 

E como Deus nunca abandona, me apresenta um amigo, Antônio. Um amigo que veio para me mostrar que tinha outras pessoas com problemas também, mas que não estava sozinha na luta, e que o caminho estava cheio de pessoas boas que ajudam a tornar o caminho mais fácil.

Na época lembro bem que eu desmaiava muito por açúcar baixo mesmo comendo bem, por estresse, meu organismo baixava muito rápido os níveis de açúcar, foi quando veio mais um anjo, Noi, abriu uma porta da sua casa sem me conhecer, só confiando na fé da amiga do seu sobrinho, o Antônio. Mulher com as mão de fada, com o coração mais doce, me deu  doce para eu não desmaiar mais, carinho, conselhos e um lar.

Foi quando chegou a grande notícia que mudou o curso de tudo mais uma vez. Era Natal, em pleno verão quente, eu estava no final do intervalo do trabalho, em uma loja no shopping, veio uma mensagem que gelou meu coração. Era uma notificação que o resultado da Revalida já tinha saído e meus amigos estavam a caminho.

Meu coração bateu a 1000 batimentos por minuto, se é que isso é possível, aquela sensação de balde gelado na cabeça, aquela sensação de estar completamente congelada.

Meus amigos entraram na porta, eu quase sem conseguir segurar o choro, pedi  licença pra minha chefe e saí para o corredor, abriram o site pra mim e me deram a notícia, eu voltei chorando: Eu tinha passado na revalida. Nesse momento senti um cantar no ambiente, meus sentidos voltaram, até parece final de filme: felicidade 

Eu consegui, eu dei a volta por cima , meu atos, a minha constância, minha resistência e a resiliência, claro, junto com todas minhas orações a Deus demonstram, quem eu sou, minha verdade,  e mesmo que o caminho me deixou muitas feridas, aprendi a me amar, nos bons momentos e nos dias difíceis, sendo que a menina sincera, honesta, extremamente inocente, trabalhadora e sonhadora.

Hoje eu sei que não vou agradar a todo mundo, e sei que muitos riram e ainda vão rir de mim. Porém, hoje o importante pra mim é quem eu sou, o que eu tenho pra oferecer, e o que eu tenho pra entregar e sei que é o melhor de mim a cada dia. 

Agradeço muito a quem já ouviu essa história muitas vezes, algumas vezes rindo, outras chorando, a quem viveu essa história comigo, e quem está hoje aqui ouvindo.